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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Não se deixar morrer


Certa vez em minhas andanças descobri uma pequena cidade onde o sol sempre se punha alaranjado, não importando a época do ano. Nesta cidade as pessoas que ali viviam diziam nunca morrer, viver para sempre. E não tratavam isso como brincadeira. Falavam datas e toda a história do passado daquela cidade com tamanha propriedade que te fazia crer que aquilo era longe de ser uma brincadeira. Para quem olhasse de fora, superficialmente, pensaria que eram convencidos e mentirosos. Pois bem, pude entender as (que hoje posso afirmar) sábias palavras daquele povo no tempo que fiquei por lá.
Aquelas pessoas tinham orgulho de sua terra, orgulho de suas raízes e orgulho de sua história. Sabiam ouvir,  aprender e todo o povo era muito unido. Naquela cidade não havia governo, nem força policial, ninguém era mais do que ninguém. Claro que alguns possuíam mais que outros, mas se tratavam como iguais e sempre se ajudavam.
Mas o fato curioso, aliás fato mais importante, era como eles comemoravam os nascimentos. Todo nascimento era uma festa. Era comemorado como uma renovação para todos e todos se envolviam nas comemorações. Mas atente o que mais me marcou (e aqui começo a explicar todo o texto e o motivo pelo qual o escrevi): Para aquelas pessoas o nascimento era o começo do pagamento de muitas dividas de muitos anos, era o começo de uma caminhada para resgatar todos os erros e corrigí-los. Para eles ao nascer não trazíamos a culpa, mas sim a responsabilidade de tudo o que foi e será feito por nós, pelos nosso pais, pelos pais dos nossos pais e todas as gerações seguintes e anteriores.
Já nascemos tirando vida do mundo, nascemos precisando tomar emprestadas tantas coisas, da natureza, dos outros de nossas mães. Tiramos o leite nosso primeiro alimento, tiramos roupas, comida, ar... Tiramos e nunca nos preocupamos em devolver, e se devolvemos é muito pouco. Todo o amor que recebemos ao nascer (de quem ainda não nos conhece pois acabamos de chegar) será que nos preocupamos em devolver a quem também não conhecemos? Para aquele povo devolver era um dever, uam missão.
Para cada criança que nascia era plantada uma árvore. E essa árvore seria cuidada por ela durante toda a vida. Mas a forma de cuidar não era definida, era da forma que a pessoa achasse melhor.  Todos tinham uma árvore, alguns cuidavam muito das suas, alguns a cercavam de flores, de enfeites, alguns colocavam enfeites até demais. Alguns cuidavam das suas mais ficavam de olho nas dos outros, alguns insistiam em querer ter mais repleta, mais bonita e outros perdiam tanto tempo olhando a árvore dos outros que esquecia de cuidar da própria. Alguns ainda iam embora e nunca mais cuidavam de suas árvores. Então outros ajudavam a mantê-la, afinal, não é porque uma pessoa não se importou e desistiu de sua árvore que devemos ignorá-la e deixa-la morrer.
A pessoa tinha a árvore por toda a vida e sempre ao olhá-la podia lembrar de toda sua história. E quando a pessoa morria eles acreditavam que sua alma se juntava a árvore que esteve ligada por toda a vida. E naquela árvore o espírito da pessoa ainda vivia dando flores e frutos. E mesmo quando a árvore viesse a morrer esta pessoa continuaria viva. Sabe porque? Porque daquela árvore que eram retiradas as mudas para as próximas gerações. As árvores de seus filhos, que dariam mudas para seus netos e assim ao longo de toda sua linhagem.  A cada descendente que nascesse a própria pessoa renasceria nele e todos os outros que vieram antes dele.
Então pode entender como eles nunca morriam. Como nenhum de nós nunca morre... Estamos vivos naqueles vierem após assim como em nós estão vivos aqueles que vieram antes... Só precisamos gerar boas mudas, que cresçam fortes e gerem mudas melhores ainda. Por isso ninguém, naquela cidade que o sol sempre se punha alaranjado, jamais morreria, porque eles mesmos não se deixavam morrer.

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