Certa vez em minhas andanças descobri uma pequena cidade
onde o sol sempre se punha alaranjado, não importando a época do ano. Nesta
cidade as pessoas que ali viviam diziam nunca morrer, viver para sempre. E não
tratavam isso como brincadeira. Falavam datas e toda a história do passado
daquela cidade com tamanha propriedade que te fazia crer que aquilo era longe
de ser uma brincadeira. Para quem olhasse de fora, superficialmente, pensaria
que eram convencidos e mentirosos. Pois bem, pude entender as (que hoje posso
afirmar) sábias palavras daquele povo no tempo que fiquei por lá.
Aquelas pessoas tinham orgulho de sua terra, orgulho de suas
raízes e orgulho de sua história. Sabiam ouvir, aprender e todo o povo era muito unido.
Naquela cidade não havia governo, nem força policial, ninguém era mais do que
ninguém. Claro que alguns possuíam mais que outros, mas se tratavam como iguais
e sempre se ajudavam.
Mas o fato curioso, aliás fato mais importante, era como
eles comemoravam os nascimentos. Todo nascimento era uma festa. Era comemorado
como uma renovação para todos e todos se envolviam nas comemorações. Mas atente
o que mais me marcou (e aqui começo a explicar todo o texto e o motivo pelo
qual o escrevi): Para aquelas pessoas o nascimento era o começo do pagamento de
muitas dividas de muitos anos, era o começo de uma caminhada para resgatar
todos os erros e corrigí-los. Para eles ao nascer não trazíamos a culpa, mas
sim a responsabilidade de tudo o que foi e será feito por nós, pelos nosso
pais, pelos pais dos nossos pais e todas as gerações seguintes e anteriores.
Já nascemos tirando vida do mundo, nascemos precisando tomar
emprestadas tantas coisas, da natureza, dos outros de nossas mães. Tiramos o
leite nosso primeiro alimento, tiramos roupas, comida, ar... Tiramos e nunca
nos preocupamos em devolver, e se devolvemos é muito pouco. Todo o amor que
recebemos ao nascer (de quem ainda não nos conhece pois acabamos de chegar)
será que nos preocupamos em devolver a quem também não conhecemos? Para aquele
povo devolver era um dever, uam missão.
Para cada criança que nascia era plantada uma árvore. E essa
árvore seria cuidada por ela durante toda a vida. Mas a forma de cuidar não era
definida, era da forma que a pessoa achasse melhor. Todos tinham uma árvore, alguns cuidavam muito
das suas, alguns a cercavam de flores, de enfeites, alguns colocavam enfeites
até demais. Alguns cuidavam das suas mais ficavam de olho nas dos outros,
alguns insistiam em querer ter mais repleta, mais bonita e outros perdiam tanto
tempo olhando a árvore dos outros que esquecia de cuidar da própria. Alguns
ainda iam embora e nunca mais cuidavam de suas árvores. Então outros ajudavam a
mantê-la, afinal, não é porque uma pessoa não se importou e desistiu de sua
árvore que devemos ignorá-la e deixa-la morrer.
A pessoa tinha a árvore por toda a vida e sempre ao olhá-la
podia lembrar de toda sua história. E quando a pessoa morria eles acreditavam
que sua alma se juntava a árvore que esteve ligada por toda a vida. E naquela
árvore o espírito da pessoa ainda vivia dando flores e frutos. E mesmo quando a
árvore viesse a morrer esta pessoa continuaria viva. Sabe porque? Porque daquela
árvore que eram retiradas as mudas para as próximas gerações. As árvores de
seus filhos, que dariam mudas para seus netos e assim ao longo de toda sua
linhagem. A cada descendente que
nascesse a própria pessoa renasceria nele e todos os outros que vieram antes
dele.
Então pode entender como eles nunca morriam. Como nenhum de
nós nunca morre... Estamos vivos naqueles vierem após assim como em nós estão
vivos aqueles que vieram antes... Só precisamos gerar boas mudas, que cresçam
fortes e gerem mudas melhores ainda. Por isso ninguém, naquela cidade que o sol
sempre se punha alaranjado, jamais morreria, porque eles mesmos não se deixavam
morrer.
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